quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Sobre aquele beijo.



Um beijo. Assim, um, único. Não o primeiro, mas o beijo de estreia.

Bastava mesmo só um beijo? - pensou, mordendo os lábios...  Sentia ainda o corpo vibrar, frenesi do beijo adolescente, o beijo, o re-contato. O beijo beijado, sonhado por tantas noites, beijo abandonado (do qual desistira de vez!), o beijo que já até aceitava que não viria mais. Foi o beijo esperado mais alheio às suas expectativas!

Era como se voltasse no tempo...

Voltou no tempo, à época em que tudo entre os amantes tinha um tempo certo: sorrisos, conversas pausadas, suspiros, mãos que se tocavam “acidentalmente”, olhares flertivos, elogios tímidos... O delicioso intervalo entre os encontros. O tempo-obstáculo que trazia saudade e vontade de nunca afastar. O tempo-romance que fazia durar cada palavra, cada perfume da presença alheia, quando bastava fechar os olhos para sentir de novo, para ver... O tempo anti-tecnológico, não interrompido por ligações, torpedos, e-mails... Ah, sim, o curioso tempo entre hoje e amanhã, o desejo de mais, a dúvida da reciprocidade. Ou a certeza da mágica que reúne as pessoas ao longo do tempo.  

 E o que fazer com aquele beijo? Esquecer? Guardar? Encontraram-se antes e decerto encontrariam-se depois, mas agora, entre eles, havia o beijo.

Por um minuto teve medo. Sentia medo do gosto feliz nos lábios, do coração transbordando, medo da mão acarinhando o cabelo. Medo de sentir o que quer fosse que não fizesse sentido...

Fechou os olhos. Voltou no momento exato que se encontraram, sentiu de novo exatamente quando... Sorriu da ironia. Para um único beijo, até que repetiu-se muitas vezes.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Sobre fantasmas

Saudade. Coisa esquisita é saudade. Hoje acordei com saudade de suas palavras doces na tela do computador. Mesmo quando tantas vezes afastada por esse seu jeito estranho, cada palavra (doce!) proferida me vinha como imã: ninguém mais me entenderia, ninguém mais entenderia, só eu, que caminhava em suas linhas como a melhor das tradutoras, única intérprete de nosso próprio idioma.

Quando nossas palavras se separaram, me notei em círculos, procurando pelas minhas, palavras fantasmas que se apaixonaram pelas suas, e evadiram-se, conjuntamente.

Palavras fantasmas como as suas, que me assombram ainda hoje, como lindo e antigos cânticos, zumbindo no ouvido, como um beijo de um minuto numa noite fria. Mas não, não quero lembrar o beijo. Seria mais um fantasma pairando pela minha cabecinha de vento. Como se não bastassem as palavras... Aquelas mesmas de todos os diálogos que poderíamos construir, junto com todas as noites mal dormidas pelas quais te levaria, perdidos entre cada xícara de café, ou simplesmente entre minha louca vontade de te contar a vida inteira. Mas você não teria sono. Só teríamos mais tempo. E no final, dormiríamos o sono exausto de noites inspiradas.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Sobre rasbicos guardados no fundo de uma gaveta.

E seu grito veio assim:

- Agora chega.

De algum desses lugares escondidos por dentro, algum lugar que tentamos evitar, veio seu grito.

Estava cansada do silêncio, cansada de não saber. Cansou-se de divagar sobre o que seriam ou não e se seriam ou não.
Estaria sendo demais, mais uma vez.

E se tudo fossem projeções? Sabia das projeções e que era impossível não projetar nada. E o pior, (ou melhor) é que aparentemente ele era exatamente como ela havia projetado. Sua força, seus sorriso, suas idéias um tanto lineares e engraçadas, seu jeito de franzir a testa toda vez que ela desatava a falar “non sense, non stop”, misturava os assuntos, emendava, costurava com comentários sobre a vida alheia. Isso, exceto por uma ou outra pedrinha de gelo que se formavam na ponte aérea sob seus pés.

Ah, ela via tanta coisa... via tudo que não tinha explicação, a discrepância entre fatos e emoções, via a estranheza que era o tempo, quando calculado no relógio.
Mas não adiantava. Loucamente absorta em seu umbigo, por onde costuma pensar toda bruxa, ela sentia muito mais que calculava e seu relógio não era o mesmo do resto do mundo. Ela não estava nem aí.

Ela o queria bem, como se quer bem quando se quer apenas isso. Ela gosta dele. Simplesmente. Em seu jardim, ele era a última das rosas, a do pequeno príncipe, vermelha vívida, preservada contra a chuva, o vento e o sol, dentro de um vidro. Era e não era. Nos seus caminhos, ele estava mais para lobo, nem bom, nem mau, esperto, fugaz, desconfiado. Quem sabe raposa, passível de se cativar, era cedo dizer.

Fechou-se de resto, como já era de seu interesse. Ele se foi e seu espaço permaneceu ocupado. Não cabia mais nada, nem precisava. Esperaria. Acordo tácito consigo mesma.

Mas o silencio corroia por dentro, e nas voltas da lua sentia-se pequena e frágil, erva daninha em jardim alheio, arrancada, apagada, retirada sem respostas, parte estranha de um corpo que aprendeu a gostar.

Mal controlava seus dedos e idéias, e a fonte de tudo que criava esvaia-se, distante de seus braços, talvez ainda mais afastada mais por suas bobas preocupações.

Sufocava a sensação de ser incômodo. Já não se sentia beijada de longe, algo estava errado... Seria o tempo, seriam teias, caminhos, livros, medos... Seria ela?

Findo o seu minuto, retornou.

Chega nada. Louca. E riu de si mesma, como costumava fazer nas viradas da lua.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Sobre as imagens.

Olhou a menina na foto. Ela era loira, até se pareciam se não levasse em conta a estatura... Era isso, talvez sua estatura a definisse. Adorava saber das definições alheias a seu respeito. Perguntava, sempre. “e o que você pensou aquela tarde? Sou muito diferente do que imaginou?”. Isso porque tinha dificuldades para associar sua imagem a seus sentimentos e personalidade. Desde então, procurava um modelo. Alguém que pudesse ser, não tão distante do que era. A menina era loira, usava polainas e sapatilhas, um vestido preto, casaco comprido, echarpe num variante de rosa. Ah... adorava rosa. Mas a deixava colorida demais. Talvez combinado com preto... Talvez. Olhou o espelho e viu que há tempos já não era a mesma. Os óculos com moldura bordô, cabelos mais escuros, unhas vermelhas e batom. Ela nunca usava batom. Ou unhas vermelhas. Ou óculos. Será que a menina da foto usaria batom? A menina da foto lhe parecia classuda. Sempre gostou de pessoas que aparentam classe. Chique. Ou das que ficam bem de allstar. Relax. Ficaria bem de allstar? Não sabia. Talvez fosse pequena demais, larga demais, loira demais, comum demais... Talvez sua imagem fosse uma sombra, a espreita, aguardando um passo em falso para desmoronar. Talvez mais um rosto perdido na cidade, em busca de outro rosto para parecer.
E se respeitasse seus loucos desejos?
Se os respeitasse, neste dia de chuva usaria finas luvas e curtas de cetim, talvez um chapéu, pequeno e delicado, daqueles filmes da década de trinta. Um vestido com alguma renda, talvez. Meias até a altura da coxa, certamente. Sapatilhas altas e com fivelas. Muito rímel, pouco blush. Usaria um perfume doce e apoiaria o queixo entre mãos, sentada do lado de dentro da vitrine, admirando o passar das pessoas estranhas, despreocupadas com roupas, acessórios, sombras ou espelhos. Não sabia se sua prisão ficava dentro ou fora da vitrine.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Sobre o aborrecimento.

Um dia de muita chuva. Passava tentando não me aborrecer com o trânsito, me aborrece começar o dia já assim, aborrecida. Respirei fundo, parei pra olhar o lado de fora da janela. De lá, vinha uma moto. O rapaz usava uma jaqueta preta com detalhes fluorescentes, daqueles que não faziam a menor diferença durante o dia, ou naquela chuva. O protetor de seu capacete estava aberto, na certa para que ele pudesse enxergar alguma coisa. Do outro lado, um carro. Caminhonete dessas enormes, das que custam uma fortuna e das que sempre troco o nome de uma por outra e assim por diante. Passou rápido demais pelas poças d´agua de minha cidade impermeável – o senhor da moto levou um banho, e pude sentir a àgua, a lama da rua em contato direto com seu rosto, enquanto ele se concentrava para pilotar e não perder o equilíbrio. Vi, em câmera lenta, sua expressão de angústia. Quis buzinar, fazer sinal, xingar por ele o insensível veículo urbano que passou em poucos segundos por seu caminho. Quis dizer “estou te vendo!”. Quis dizer “solidarizo com você!”. Quis estender uma toalha e pedir desculpas pela desumanidade planetária. Quis dar-lhe um abraço. Segundos curtos para tudo isso, segundo curtos para qualquer coisa, foi o tempo em que o sinal abriu e nossas vidas se separaram. Acompanhei aqueles olhos, de quem nada podia fazer. Olhos impotentes. Como os meus, que seguiam agora também cheios de água. Água suja de sal e de culpa. Pois que um dia, de dentro do carro, me senti aborrecida com trânsito da cidade.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Sobre a felicidade.

Minha família e amigos têm sido particularmente atenciosos comigo esses dias. Algo deliciosamente curioso de notar. Não sei se algo em mim infere carência e precisão, se me sentem só e temem por mim, se me vêem como parceira nesse movimento “aqui estou, por minha conta e risco, no mundo adulto”, se têm medo da própria solidão e estão um passo na minha frente em sua busca pela proximidade, se com esta busca aprenderam mais sobre o respeito e a responsabilidade nas relações, se me amam muito e por isso sentem minha falta e demonstram isso em atitudes. Se releram o pequeno príncipe recentemente. Por um lado, penso que é tudo isso junto (tirando a parte do pequeno príncipe, essa é outra divagação exclusiva). Por outro, tenho certeza: as razões pouco importam.

Nem sempre recebo ligações, mas as que faço têm sido cautelosamente retornadas. Os encontros marcados são todos encontrados; quando não, são desencontrados com igual cautela. Aqueles que se relacionam comigo me cativam. Relações preservadas e apreciadas, mesmo quando o contato é pouco, mesmo quando o tempo é curto... Pasmo de ver todo o acolhimento, atenção e respeito.

Penso quantas pessoas no planeta têm a chance de sentir o que eu estou sentindo agora. Penso quantas delas sabem reconhecer essa grandeza. Penso em quantas vezes ela passou despercebida por mim.

Em um único feriado senti tanto amor, e tão amada, abraçada, acolhida, que precisei para estes minutos aqui e dizer mais uma vez: obrigada.

Estou certa que nenhum dos seguintes protagonistas tem a noção do quanto é amado e importante. Espero que algum dia eu os faça saber. Hoje, o que desejo pra mim é notar, sempre, as coisas pequenas. Coisas pequenas que compõem o que me orgulho de chamar felicidade.


Sobre a gratidão.

A seguir, descrição detalhada de uma típica filha do vento sobre um maravilhoso feriado... (peço perdão, poucos e seletos leitores... foi preciso. É amor demais). Este é meu segundo texto de agradecimento, agora numa fase tão brilhante. E é igualmente grande. Não teve jeito.

Tive um almoço em família. Ao entrar no carro, o brilho nos olhinhos do meu irmão caçula gritava de amor. E era por mim...! Ai, que sensação é essa de ser amada. Mesmo as poucas palavras iniciais e a energia de meu pai me diziam que eu tinha feito falta.

Minha família. Essa louca e grande família, barulhenta, risonha, engraçada, apaixonante. Minha. Que linda, pensei. Todos tão estupidamente diferentes se movimentavam numa divertida dança de cadeiras, para cumprimentarem-se sem faltas até o fim do almoço. Para saber as novidades. Para tirar sarro do novo namorado. No novo corte de cabelo. Para comemorar o novo emprego. O novo carro. Para saber mais sobre a cirurgia. Para ouvir e falar. Para brindarem, degustar um prato especial, dividir a sobremesa. Que linda, pensei.

Sentada no banco de trás, por solicitação incisiva e carinhosa do pequeno, voltei pra casa alimentada.

Minha mãe, no andar dela, trabalhando no computador. Perguntou se eu tinha trazido algo de gostoso, mas eu não tinha trazido nada. Ela não ligou. Ela me ama mesmo assim. Ela sempre me ama, independente do que eu traga.

Ensaiei ir no cinema, liguei para dois ou três amigos. Uma trabalhava, outra ia num show, outro tinha outro encontro.

No computador, encontrei uma amiga que me ouviu com verdadeira atenção. Rimos de mim e da vida com verdadeira vontade. Rimos de minhas peculiaridades e eu fui feliz em transformar o que desejo mudar em risada. Em escutar criticas e conselhos com alegria. É tão difícil fazer isso. É preciso amor.

A amiga do show ligou insistindo pra eu ir. Preguiça boa de sair. Disse não sorrindo. Adorando o fato de poder dizer não e ser querida, adorando o fato de ela ter ligado. Do mesmo jeito, S. me chamou para dormir por lá. Preguiça boa de sair...

Ainda no computador, troquei três palavras com outra amiga. Ela se despediu com “vc é uma amiga maravilhosa”. Pensei em todos os dias que me senti egoísta e pouco companheira. Não costumo lembrar os dias em que fui maravilhosa. Mais uma vez, não me importavam as razões. Ela escreveu ma-ra-vi-lho-sa. Escreveu sozinha, por conta própria, com sua mãozinha de gente grande. Não, não, não vou deixar ninguém roubar meu mérito agora. E digo isso, obviamente, para mim mesma.

Prestes a acostumar com o silêncio, escuto o celular. O amigo do outro encontro. Queria saber da minha noite. “liguei pra saber o que ta rolando”. Homens, rs. Jeito engraçado de sentir saudade. Finalmente me orgulhei de ter entendido o recado.

Volto no computador. Uma patinha puxa minhas mãos teclado. Minha gata sabe que eu acho a maior graça desse gestinho dela de pedir carinho, ela sabe que não resisto. Espertinha... Ela ronrona quando eu riu e deita em cima de minha mão, provocando uma gostosa pausa nas palavras.

Antes de pegar no sono, uma mensagem de texto. Cau e eu tínhamos combinado um temaki, nada fechado, mas ela escreveu explicando que desistiu, mas “vamos marcar algo para o fds”. Doce. Sinto-me a rosa do pequeno príncipe. Sinto-me uma raposa feliz.

Sinto-me a dona da mais cheia árvore de natal.

Cada pedaço de mim experimenta alegria e amor. Sei que não plantei isso nos últimos dias, sei que em tempo recente minha energia estava quase sempre e quase toda comigo. Não é a colheita de um dia que abastece meu inverno. Esse jardim foi plantado em séculos. Rezo para ser digna dele. Rezo para saber mantê-lo. Rezo para sempre percebê-lo, para que ele não seja invisível ao meu coração.

E agradeço.
Não sei tudo que me trouxe até aqui. Mas aqui estou.

Durmo com a certeza: sou uma mulher abençoada.